Que saudade do cheiro de café
PASQUALE CIPRO NETO
Não nasci na Mooca. Não moro na Mooca há muitos anos. Mas a Mooca é a Mooca, é a República da Mooca! Passei boa parte da vida lá, por isso tenho a Mooca no sangue, no coração, na alma.
Quando viajo pela memória, lembro-me das noites nas calçadas da rua João Antônio de Oliveira. Já tínhamos TV em casa, mas a roda ainda não era muda nem triste. A roda era na calçada, com os homens sentados "ao contrário", com o peito no encosto das cadeiras. A Mooca era uma cidade do interior, mas ao mesmo tempo um país à parte, com língua e costumes próprios, com italianos, espanhóis, portugueses e árabes a conviver em (quase) santa paz.
Que saudade dos sábados na Puris! De manhã, futebol na rua; à tarde, o Templo, a histórica rua Javari, onde fica o estádio do meu amado Juventus, com sua bela camisa grená e seu jota meio torto --lindo, lindo, lindo!
Depois do boom dos anos 60 e 70, em que a nossa principal avenida, a Paes de Barros, foi tomada por prédios e prédios, houve alguma calmaria. A especulação imobiliária deu um pouco de paz à Mooca. De uns anos para cá, no entanto, a Mooca foi "descoberta". Até a área da Companhia União de Açúcar e Café foi tragada. Não há mais o cheiro de café que nos inebriava dia e noite. Para onde se olhe há ou parece que haverá prédios e prédios.
Ainda me restam bons motivos para sair de casa e ir até lá. Além das vilas e becos que só os mooquenses conhecemos e do Templo sagrado (em que vi, entre outros, Pelé, Ademir da Guia e o nosso eterno Antoninho, o Minhoca, que por muitos anos honrou a camisa grená), há a inigualável pizza portuguesa da São Pedro (que fica na rua do estádio), de cujo forno saem, desde 1966, deliciosas e perfumadas redondas. Para mim, um jantar na São Pedro, sobretudo na parte "antiga" da casa, tem um significado que poucas coisas nesta cidade têm.
Na Mooca fica a igreja de São Januário (San Gennaro, em italiano), o santo do sangue que ora se liquefaz, ora não se liquefaz. Pois peço a San Gennaro (San Gennaro mio!): não permita que estraguem a Mooca, que façam dela um lugar inabitável, com mais prédios e automóveis. Não quero ter de pedir licença a Drummond para um dia parodiar-lhe os versos finais de "Confidência do Itabirano", ou seja, não quero um dia ter de dizer que a Mooca é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói. É isso.
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