Futebol de várzea é vitrine para jogadores que buscam vaga no exterior
REGIANE TEIXEIRA
DE SÃO PAULO
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A palavra várzea sempre significou uma grande extensão de terra plana. Como gíria, indica algo pejorativamente amador. Mas os chamados terrões têm sido disputados por centenas de equipes de futebol da cidade e passaram a servir de palco para concorridos campeonatos.
Os times amadores funcionam como vitrine para atletas em busca de uma chance em clubes profissionais menores no Brasil e no exterior. No Turma do Baffô, do Jardim Clímax, zona sul, a maioria dos atletas recebe dinheiro para jogar.
Essa é uma característica dos times que chegam quase a se profissionalizar para estar na Copa Kaiser. Maior campeonato do estilo, hoje possui duas divisões com 192 times cada uma. Quatro anos atrás, era apenas uma divisão com 208 times.
Com a final da 15ª edição marcada para o dia 18 de novembro, o evento completará 675 jogos entre 32 equipes da zona norte, 32 da zona sul, 96 da zona leste e 32 da zona oeste. As partidas foram disputadas em 33 campos, sendo 23 de terra batida, nove de grama sintética e apenas um oficial.
Até agora, só uma equipe conquistou a taça duas vezes, o Boa Esperança de São Mateus, da zona leste. Em 2011, o Baffô chegou à final e gastou R$ 45 mil no campeonato, valor que inclui de pagamento de jogadores a churrascos de comemoração. Neste ano, apesar de ter 80% do time renovado, o Baffô disputa novamente o título.
Apesar do investimento de alguns times em "salários", que vão de R$ 100 a R$ 300 para jogador por partida, a Copa Kaiser não tem premiação em dinheiro. Mesmo assim, muitos fazem questão de participar. "Se um time não jogou [a Copa Kaiser], não é ninguém", diz Claudinei Rosa, 43, o Cláudio, presidente do Baffô.
Para os jogadores com aspirações profissionais, a várzea é uma atividade rentável enquanto não surgem bons contratos. O atacante Fabinho, 27, jogou sua última partida no mês passado com a camisa dez do Noroeste, na semifinal da Copa Kaiser. No mesmo dia, embarcou para a Índia, para atuar no Brothers Union.
Para os jogadores com aspirações profissionais, a várzea é uma atividade rentável enquanto não surgem bons contratos. O atacante Fabinho, 27, jogou sua última partida no mês passado com a camisa dez do Noroeste, na semifinal da Copa Kaiser. No mesmo dia, embarcou para a Índia, para atuar no Brothers Union.
Não é a primeira vez que ele joga lá fora: já fez parte de times do Vietnã e da Turquia. "Na várzea, a gente joga por amor, no futebol profissional tem a questão financeira", diz ele, que nasceu na Vila Formosa, zona leste.
O caminho contrário também é recorrente, caso do meia-atacante Nenê, 26, do Baffô. Após atuar em times profissionais da capital e do Qatar, voltou para a várzea em 2011. "É uma oportunidade de ser visto", afirma ele, que trabalha como vendedor.
BAIRRISMO
O Esporte Clube Noroeste, fundado em 1974 na Vila Formosa, é um dos poucos que monta a equipe com jogadores do bairro. Também tem como chamariz três torcidas organizadas.
O envolvimento da comunidade com o time chamou a atenção do francês Sthepane Darmani, 38, que há mais de um mês acompanha o Noroeste para um documentário. "Essa é a raiz do futebol no Brasil e os estrangeiros vão se interessar por esse assunto com a proximidade da Copa."
Nas finais dos campeonatos, até os torcedores de outros times aparecem para investigar os adversários. O metalúrgico Maurício Pereira dos Santos, 44, é torcedor do Ajax (homônimo do time holandês), da Vila Rica, zona leste, mas foi acompanhar a semifinal entre o Turma do Baffô e o Noroeste, no dia 20. O também corintiano queria saber o que seu time vai enfrentar caso chegue à final, no dia 18.
No mesmo dia, Valdir Bezerra, 61, o Boca, era outro que acompanhava a partida. Palmeirense, ele ainda é torcedor do Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, e do Juventus da Liberdade. "Gosto de ir a jogo que tem torcida", diz, mostrando as tatuagens que tem dos dois times de coração da várzea. Já na torcida do Turma do Baffô, o eletricista Betinho da Silva, 53, dá bronca nos jogadores. Ele afirma dar R$ 150 por jogo para ajudar o time.
FALTA DE ESPAÇO
Apesar dos 286 campos públicos, os chamados Clubes da Comunidade (CDCs), falta espaço para os amadores. A sede do Juventus da Liberdade, por exemplo, fica na Baixada do Glicério, região central, mas o time percorre 12 km para jogar na Vila Maria, zona norte. "Tentamos jogar na Aclimação, mas é muita burocracia", diz Jorlando Messias, 42, presidente da equipe.
No mesmo dia, Valdir Bezerra, 61, o Boca, era outro que acompanhava a partida. Palmeirense, ele ainda é torcedor do Leões da Geolândia, da Vila Medeiros, e do Juventus da Liberdade. "Gosto de ir a jogo que tem torcida", diz, mostrando as tatuagens que tem dos dois times de coração da várzea. Já na torcida do Turma do Baffô, o eletricista Betinho da Silva, 53, dá bronca nos jogadores. Ele afirma dar R$ 150 por jogo para ajudar o time.
FALTA DE ESPAÇO
Apesar dos 286 campos públicos, os chamados Clubes da Comunidade (CDCs), falta espaço para os amadores. A sede do Juventus da Liberdade, por exemplo, fica na Baixada do Glicério, região central, mas o time percorre 12 km para jogar na Vila Maria, zona norte. "Tentamos jogar na Aclimação, mas é muita burocracia", diz Jorlando Messias, 42, presidente da equipe.
Segundo o antropólogo Enrico Spaggiari, do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Futebol e Modalidades Lúdicas da USP, a escassez de campos ocorre mais na região central. "Vários foram desativados por conta de especulação imobiliária ou ocupações de moradia", diz ele, que deve finalizar em 2013 um levantamento com os campos de várzea da cidade.
Na ausência de campo ou de tempo, em muitas equipes os jogadores encontram-se só nos campeonatos. Na falta de dinheiro, Cláudio, do Baffô, por exemplo, bate na porta de comércios da vizinhança para arrecadar verba para o time. "Gasto R$ 2.000 por jogo, pagando cerca de R$ 50 a R$ 100 para cada jogador", diz ele. "A gente só toma prejuízo, mas se apega."
A organização da várzea, no entanto, não agrada a todo boleiro. Para o geógrafo Danilo Cajazeira, 30, que fez em 2009 o estudo "Geografia(s) do Futebol Contemporâneo em São Paulo", os campeonatos criam uma "elitização". "Esse evento [Copa Kaiser] é um outro nível dentro da várzea. É uma estratificação." Em 2006, ele fundou o Autônomos Futebol Clube, que começou como um time de society. Um ano depois, migrou para a várzea.
Em 2010, o time foi para a Europa participar da Copa do Mundo Alternativa e ver como funciona a modalidade lá fora. "Há muitos campos públicos que ficam abertos, não têm cobrança e a qualidade é muito maior."
Neste ano, a Secretaria de Esporte, Lazer e Recreação investiu R$ 60 milhões em infraestrutura de 17 Clubes-Escolas e 85 CDCs. Para Cajazeira, trata-se de vitrine para a Copa de 2014. "A prefeitura quer embelezar a cidade, mas isso encarece a manutenção."
Como em São Paulo os campos públicos são administrados por clubes ou pessoas do bairro, os preços são definidos pelos CDCs, diz a secretaria.
Final - Copa Kaiser
Turma do Baffô (Jardim Clímax) x Ajax (Vila Rica)
Dia 18, horário não definido.
Estádio do Pacaembu. Pça. Charles Muller, s/ nº, Pacaembu, região oeste. Entrada gratuita.
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